Paulo Afonso Linhares
Aqui, nestes tristes trópicos, a realidade somente pode ser explicada pelas lentes versáteis do “surrealismo”, que é um movimento estético caracterizado pelo desprezo da realidade concreta em favor cenários mágicos irreais construídos a partir da absolutização da liberdade de expressão, tendo como eixo a energia incomensurável que emana da psique. Tanto isto é verdade que esse movimento artístico e literário tem base nas teses de Sigmund Freud, o pai da Psicanálise. No mundo surreal prevalece a irracionalidade, pois, busca-se aquela dimensão em que “o Homem se libera de toda a repressão exercida pela Razão, escapando assim do controle constante do Ego”, para usar as palavras de Ana Lucia Santana (disponível em http://bit.ly/1RNuVJA).
O Brasil é cada vez mais um país surreal, nos dias que correm (ou escorrem, como aqueles relógios que Salvador Dali colocou no seu “A persistência da memória”, quadro de 1931?). No domínio da política, o país virou de ponta cabeça: cada vez maior é a sanha dos que, derrotados no pleito presidencial de 2014, lutam com todas as armas para virar a mesa e conseguir um ”terceiro turno”, nem que para isto tenham que tocar fogo neste país, embora isso seja um contrassenso, uma coisa absolutamente irracional como queimar um enorme castelo para matar uma eventual baratinha.
Aliás, esse é o espírito de porco tão bem prefigurado nas manobras golpistas dos udenistas de antanho, que não descansaram até que o país fosse envolvido pela tenebrosa sombra de uma ditadura que durou mais de duas décadas e que impôs um enorme atraso no desenvolvimento material e espiritual da sociedade brasileira, sobretudo, emasculou da participação políticas várias gerações de brasileiros. Para muitos, foram poucos todos os horrores dos anos de ferro da Ditadura Militar (1964-1985) que preenchem pungentes e tristes relatos recolhidos recentemente pela Comissão da Verdade, que teve funcionamento no plano federal.
Por isso, brincam com a desmoralização da presidente da República e abertamente pregam a sua defenestração do poder, sem haver razão maior para isso. Aliás, a perda do cargo de presidente, através de impeachment, tem como pressuposto a prática de graves crimes de responsabilidade, algo que não está presente em qualquer dos (vários) pedidos neste sentido protocolizados na Câmara dos Deputados, inclusive, aquele do obtuso e conservador jurista Miguel Reale Jr, lastimavelmente secundado pelo nonagenário jurista Hélio Bicudo que, fundador do PT, agora transvestiu-se de seu algoz.
A revista Veja, do grupo Abril, chegou a paroxismo ao elencar, na capa da edição que circulou em 12 de outubro de 2015, as razões pelas quais um presidente da República pode cair. Do ponto de vista estritamente jornalístico, é a ultrapassagem do mero panfleto para algo bem mais desprezível. Claro, a presidente Dilma pode até merecer duras críticas por sua atuação no cargo ou o seu partido pelas trapalhadas em que decerto se envolveram alguns de seus membros mais ilustres. Isto, contudo, não autoriza o tom agressivo que quase todos os grandes veículos da imprensa brasileira têm assumido, como parte da tarefa de encerrar a qualquer custo a Era PT. Somente assim, decerto, nascerá aquele novo país forjado nos moldes da Veja, da Globo, do Estadão ou da Folha, bem no bico de martelo de tucanos e demos, todavia, bem distante dos verdadeiros anseios da nação brasileira. Puro surrealismo tupiniquim!
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