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quarta-feira, 1 de maio de 2013

CLT precisa de atualização, diz presidente do Tribunal Superior do Trabalho





Ao completar 70 anos hoje (1º), a espinha dorsal dos direitos trabalhistas no Brasil, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), indiscutivelmente precisa de atualização, disse em entrevista exclusiva à Agência Brasil, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Carlos Alberto Reis de Paula, 69 anos. No cargo desde março deste ano, o ministro explicou que atualizar as normas, no entanto, não significa flexibilizar o direito trabalhista no sentido de reduzir as garantias dos trabalhadores.

Reis de Paula enfatizou a necessidade de a CLT compreender normas referentes às novas demandas do mercado de trabalho e de regulamentar o trabalho terceirizado – que, atualmente, é regido por decisões de tribunais trabalhistas. Sobre os novos direitos dos empregados domésticos, recentemente equiparados aos dos demais trabalhadores pela Emenda Constitucional 72, o ministro admitiu que, temporariamente, deverá haver aumento das ações na Justiça entre empregados e empregadores. Para ele, a sociedade deverá se adaptar às novas condições impostas pela emenda. Reis de Paula ainda falou à Agência Brasil sobre a viabilidade da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do Trabalho Escravo e sobre trabalho infantil. A seguir, os principais trechos da entrevista do presidente do TST.
Agência Brasil – O senhor defende a atualização da CLT, especialmente no sentido de flexibilizar-se para atender às novas demandas do mercado de trabalho?
Carlos Alberto Reis de Paula – É indiscutível que a CLT precisa de atualização. Há preceitos, normas e dispositivos que são antigos. Mas eu não gosto quando se fala em flexibilizar. Quando se diz isso, a ideia que eu tenho é que se vai mudar a filosofia que preside a CLT, que é a valorização do trabalho. Quanto a esse valorizar, ter o trabalhador como destinatário final é intocável. A CLT é um desafio à reflexão. É preciso que encontremos caminhos para que a CLT dialogue com a sociedade de hoje.
ABr – Para o senhor, quais são os pontos mais sensíveis nessa legislação?
Reis de Paula – Em primeiro lugar, o problema da terceirização. É necessário haver uma regulamentação sobre isso. Hoje tratamos a terceirização baseados em decisões de tribunais, que, inclusive, podem ser repensadas. Eu não sei se a linguagem ou o enfoque são os mais adequados ao mundo de hoje. Também acho indispensável que cuidemos, na CLT, da tecnologia da informação, do trabalho à distância, do teletrabalho, entre outras coisas que decorrem desse fenômeno que é a comunicação. Como se faz um contrato nessa área? Como se estabelece a jornada de trabalho? O que significa hora à disposição? Esses são temas que estão em aberto.
ABr – Sobre terceirização, quais os caminhos que uma legislação sobre o tema pode tomar?
Reis de Paula – Há duas questões nevrálgicas. A primeira: o que pode ser objeto de terceirização? Toda e qualquer atividade? A meu ver, não pode. Fico sempre a pensar que, para se terceirizar, deve-se exigir especializações, e não fazê-la [a terceirização] de forma genérica. A segunda: a responsabilidade. Qual é a responsabilidade daquele que toma o serviço? Quando se fala em terceirização, parte-se da da premissa de que há quem oferta e há quem toma um serviço. Qual a responsabilidade da parte que toma o serviço? Acredito que temos de caminhar com cautela, no sentido de estabelecer a responsabilidade solidária desse tomador.
ABr – Sobre os direitos recentemente estendidos aos empregados domésticos, o senhor acredita que a quantidade de ações judiciais vai aumentar, ou ainda é cedo para prever?
Reis de Paula – Pode-se fazer uma previsão. Há as matérias que dependem de regulamentação, que deve ser feita de forma muito objetiva e criteriosa, mas sem entrar em muitas minúcias. Caso contrário, vamos entrar no universo dos debates e das interpretações variadas, o que é um péssimo negócio. Se a regulamentação seguir alguns critérios de objetividade, simplicidade e capacidade de síntese, acho que podemos reduzir o numero de ações. Indiscutivelmente, eu prevejo a maior incidência de ações, sobretudo no principio. É uma novidade, vários empregados e empregadores vão entrar com ações.
ABr – No que diz respeito à regulamentação desses direitos, há algum ponto específico sobre o qual os legisladores devam ter mais atenção?
Reis de Paula – Um dos temas mais importantes do ponto de vista prático é a jornada de trabalho dos empregados domésticos, que é variável e depende de alguns contextos. A criação de um banco de horas está em curso e talvez seja uma solução. Mas há atividades do trabalho doméstico que precisam ser regulamentadas de forma específica – o que já pode ser fixado por meio da normatização que está sendo discutida. Por exemplo, no caso dos cuidadores e babás, em que há nuances. No caso do percentual da multa sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) para a demissão sem justa causa, isso vai depender de opção política. O FGTS tem dois aspectos: primeiro, a forma de recolher; o segundo, a multa – o que, para mim, é uma opção que o legislador vai ter que fazer. Outra questão sensível é a justa causa. O conceito genérico nós sabemos. O ponto é como isso vai se traduzir para o trabalhador doméstico. Pode haver imperícias.
ABr – Se o senhor fosse orientar patrões e empregados sobre como proceder, o que o senhor diria?
Reis de Paula – A lei não pode alterar a nossa situação de vida. Se eu tenho uma empregada que trabalha muito bem, o que eu tenho que fazer? Vou ter de pagar FGTS, hora extra, etc, e agir com naturalidade. Os empregadores vão ter de ajustar a vida ao novo dispositivo legal e cumprir a lei. Se a pessoa não tem condições de cumprir as obrigações com o trabalhador doméstico, só há uma opção do ponto de vista legal: mandar o empregado embora. O que pode ajudar é elaborar um contrato de trabalho. Acho que se as partes puderem – e devem – descrever as atribuições, as obrigações e os deveres, isso é muito bom. Tudo deveria estar escrito.
ABr – O senhor acredita que é viável a implementação da PEC do Trabalho Escravo, que prevê a expropriação de terras rurais e urbanas caso seja encontrado o uso de mão de obra em condições análogas à escravidão?
Reis de Paula – É viável. Nós somos fruto dos nosso atos e costumes. O Brasil está em pleno século XXI e temos costumes que nos assustam, como ter alguém que presta serviço em regime de escravidão. Apesar de a PEC ser viável, é possível adotarmos posições intermediárias para alguém que é pego com trabalho escravo – em vez de perder imediatamente a sua propriedade. Pode ser aplicada uma penalidade para que a pessoa seja educada nesse sistema. Uma coisa é ser punido pela primeira vez, outra, ser reincidente. O legislador tem de ter muito bom senso. A desapropriação é uma penalidade que se pode cogitar e que deve, sim, ser aplicada, em determinadas situações.
ABr – O senhor acha que a penalidade atual é suficiente? A multa aplicadas, por exemplo, não são baixas?
Reis de Paula – Se a multa é baixa, vamos aumentar, porque a pessoa vai sentir. Um velho ditado é o de que a pessoa só sente quando o bolso é afetado. Se afetar o bolso, estamos caminhando para o lugar certo.
ABr – A diferenciação entre a exploração de mão de obra infantil e os casos em que há aprendizado por parte da criança no mercado de trabalho é um ponto relativamente polêmico. Qual a opinião do senhor sobre isso?
Reis de Paula – O problema de trabalho infantil é o de que não se poder impedir a criança de viver a infância. Esse é um critério complicado e fundamental, porque se esse trabalho impede a educação – e brincar faz parte da educação – e ele não tem esse direito, isso, a meu ver, é trabalho infantil que há de ser punido. Eu não sei se é um critério bom ou ruim. No final das contas, fica a cargo da inspeção do trabalho quando vão fiscalizar se aquela é uma situação de trabalho infantil. Há muitas realidades diferentes. Tudo depende das circunstâncias em que as coisas são prestadas. O fiscal tem de relatar os fatos, o que permite que nele não seja o único intérprete da situação e que outros interpretem os fatos também. Eu acredito que todos nós temos parâmetros de bom senso e temos de usá-los.

Carolina Sarres
Repórter da Agência Brasil

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